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Padre Sarmento de Benevides: poder e política nos sertões de Mombaça (1853-1867)
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Padre Sarmento de Benevides: poder e política nos sertões de Mombaça (1853-1867)
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ARTIGOS

LEMBRANÇAS DE UMA MÃE

 


A professora e escritora mombacense Maria da Glória Sá Rosa recebendo uma placa das mãos do prefeito municipal de Campo Grande-MS Nelson Trad Filho, por ocasião da XIX Noite Nacional da Poesia, em 2006.

Maria da Glória Sá Rosa*

Chove? Nenhuma chuva cai...
Então onde é que eu sinto um dia
Em que o ruído da chuva atrai
A minha inútil agonia?

(Fernando Pessoa)

Uma neblina espessa tomava conta da cidade. No escuro, gotas de chuva miúda caíam doloridas no coração dos filhos, que acompanhavam a mãe à última morada. Cada um tinha uma lembrança particular daquela mulher que se esquecera de si mesma para devotar-se inteiramente aos outros. Era quase impossível acreditar que uma presença poderosa, que soubera resistir a todo tipo de sofrimento, estivesse dissolvida nas nuvens, no silêncio das interrogações sem resposta, porque as recordações começavam a brotar fortes para compor um perfil de generosidade e muita coragem.

A infância e mocidade vividas em Mombaça, pequena cidade do interior do Ceará, os anos de estudo em Fortaleza, onde se formou professora para dedicar-se à educação dos filhos e de tantas crianças que aprenderam com ela não apenas a decifrar signos, mas os segredos de equacionar de forma positiva os problemas do viver.

Muito jovem ainda, casou-se com o comerciante Tertuliano Vieira e Sá, espírito inquieto, alma de cigano, que foi seu companheiro por mais de trinta anos e com quem partilhou a aventura da mudança para uma região muito diferente daquele Ceará de brancas praias, embaladas por coqueiros. Campo Grande, que nos longínquos anos 30 era uma grande fazenda de ruas invadidas pela poeira, casas distantes uma das outras foi o local escolhido pelo marido para escaparem dos problemas da seca, na tentativa de conseguirem a afirmação econômica que o Nordeste lhes negara.

Não lembro de tê-la ouvido uma só vez reclamar das dificuldades de adaptação ao novo lar, situado nos fundos de um armazém na rua 14 de julho.

O que revejo é o sorriso meigo, debruçada sobre a máquina de costura, ou preocupada com o preparo dos alimentos para os seis filhos, que vieram acrescentar-se à dinâmica da vida familiar. Em Fortaleza, ficaram os livros que eram seu prazer maior, as conversas com as amigas da Escola Normal, as idas ao teatro José de Alencar.

Logo na chegada, pensou em lecionar em Campo Grande, mas desistiu porque as leis daquele tempo não reconheciam o diploma de professores de outros estados, considerados leigos. Assim, teve de contentar-se em dar lições de sabedoria aos filhos, sobrinhos, afilhados, que a procuravam nas necessidades, certos de que haveria sempre uma solução saída de sua boca para as inquietações do cotidiano. Lembro-me da frase com que nos costumava consolar nas grandes aflições. “Tudo passa, basta apenas um pouco de paciência para sobreviver.”

Não fazia reivindicações especiais. Viagens, passeios, presentes, não faziam parte de seu repertório. Limitava-se a transferir sonhos e desejos para os filhos, que eram a grande meta de sua existência. Acompanhou o crescimento, os estudos de cada um, ajudando-os nas lições, vibrando com os resultados obtidos. Considerava uma obrigação mantê-los unidos pela “identidade do sangue, que age como cadeia” conforme o verso de Drummond. Por longos anos, o envelope verde de suas cartas aéreas, redigidas com a elegância de uma caligrafia impecável foram o elo simbólico da ligação com os sucessos e fracassos dos filhos. Apesar das enfermidades, a mão trêmula não a impedia de verter coragem nas linhas, que lhe fugiam ao controle.

E na viagem ao fundo de mim mesma, naquela tarde escura de 3 de agosto de 1983, em que a agonia da chuva acontecia dentro de nós, deixei de repente de pensar na mulher doente e envelhecida para imaginar a jovem que me pôs no mundo e à qual sempre estive ligada, apesar dos diversos ambientes que nos separavam. Lembrei-me das histórias que me contava. Dos textos que escrevi para ela, consciente de que não nos abandonava para sempre. Um fio misterioso nos continuaria ligando no espaço da memória, que é a verdadeira vida, conforme atestam os filósofos. Gostaria que do outro lado do mundo, Cleonice Chaves e Sá, minha mãe, pudesse sentir que foi a essência da minha e das vidas que gerou e ajudou a construir. O tempo, rio de águas ardentes, não lhe apagou o sorriso, a bondade, o jeito generoso de ser.

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*Maria da Glória Sá Rosa. Professora e escritora. Nasceu em Mombaça, Ceará, no dia 4 de novembro de 1927, filha de Tertuliano Vieira e Sá e de Cleonice Chaves e Sá, tendo ido criança para Campo Grande, onde residia desde 1939 e faleceu em 28 de julho de 2016, aos 88 anos de idade. Graduou-se em Línguas Neo-Latinas na Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio). Participou em 1961 da fundação e instalação dos primeiros cursos superiores de Campo Grande, na Faculdade Dom Aquino de Filosofia, Ciências e Letras (FUCMT), embrião da Universidade Católica Dom Bosco (UCDB), onde lecionou durante 17 (dezessete) anos. Ali criou o Teatro Universitário Campo-grandense (TUC) e a revista Estudos Universitários. Foi coordenadora do Curso de Letras no qual promoveu diversos cursos e semanas literárias. Coordenou diversos festivais de teatro e de música em Campo Grande e produziu os programas Intercomunicação na TV Morena e Mensagem ao Mundo Feminino na Rádio Educação Rural. Em 1967 começou a trabalhar na Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), onde chefiou vários de seus organismos culturais, promovendo exposições de artes plásticas, ciclos de conferências, cursos literários e o Projeto Prata da Casa, tendo sido responsável pela edição do disco de mesmo nome. Foi presidente da Fundação de Cultura de Mato Grosso do Sul e do Conselho Estadual de Cultura, onde atuou durante 20 (vinte) anos. Era professora aposentada da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS), membro da Academia Sul-Mato-Grossense de Letras (ASL) e da Associação Brasileira de Críticos de Arte (ABCA). Foi fundadora da Aliança Francesa de Campo Grande e do Cine Clube de Campo Grande. Publicou as obras: Cultura, Literatura e Língua Nacional (1976) em parceria com Albana Xavier Nogueira; Memória da Cultura e da Educação em Mato Grosso do Sul (1990), acompanhada de vídeo; Memória da Arte em Mato Grosso do Sul (1992), em parceria com Idara Duncan e Maria Adélia Menegazzo, acompanhada de vídeo; Deus Quer, o Homem Sonha, a Cidade Nasce (1999); Crônicas de Fim de Século (2001), Contos de Hoje e Sempre: Tecendo Palavras (2002); Artes Plásticas em Mato Grosso do Sul (2005), em parceria com Idara Duncan e Yara Penteado e A Música em Mato Grosso do Sul (2009), em parceria com Idara Duncan. Além de oito livros, publicou centenas de artigos sobre cultura nos jornais locais e fez inúmeras conferências sobre educação e cultura em todo o Estado, prefácios para autores de Mato Grosso do Sul e apresentações de catálogos de arte. Foi Assessora Cultural do Centro de Educação Integrada (CEI) em Campo Grande. Recebeu o título de Doutora Honoris Causa pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS), em 2007 e pela Universidade Católica Dom Bosco (UCDB), em 2012. Foi casada durante 56 anos com o engenheiro agrônomo e pecuarista José Ferreira Rosa, falecido em 4 de junho de 2008, com quem teve quatro filhos: José Carlos, José Boaventura (falecido), Luiz Fernando e Eva Regina e sete netos: André, Amanda, Paloma, Luiz Henrique, Maria Rita, Gabriel e Maria Thereza. A professora Glorinha é considerada ícone da educação e da cultura de Mato Grosso do Sul.


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