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ARTIGOS
MORREU UM GIGANTE
Fernando Antonio Lima Cruz e José Evenilde Benevides Martins, o Zevenilde, na Sellene Hospitalar, em Fortaleza-CE, no dia 26 de abril de 2019.
Isabel Lustosa*
Publicado em 25/02/2022.
É assim que agora posso finalmente enxergar a grandeza de meu cunhado e amigo José Evenilde Benevides Martins. A convivência com ele fazia a gente esquecer o tamanho de sua vitória na vida. De presença sempre alegre, brincalhona, as lágrimas fáceis e generosas do emotivo que se comovia com qualquer história de superação e de sofrimento. Neste aspecto era o avesso do que éramos nós, seus cunhados. Benevides era feito de outra matéria. Era um genuíno sertanejo de Mombaça, orgulhoso de sua terra natal que levava com ele aonde fosse a ponto de perguntar em um voo para o Japão: tem alguém de Mombaça aí?
Espontâneo, direto, por vezes duro, cioso de sua autoridade na família e na empresa que construiu do nada, exclusivamente obra sua e de seu inato talento empresarial. Orgulhoso do lugar no mundo que conquistara, exibia com gosto o título fictício de coronel, pois em sua infância de menino pobre do sertão, assim eram chamados os poderosos que ele sonhava ser um dia. Não se tornou poderoso naquele sentido, não se fez chefe político, não era essa a sua vocação. Autêntico demais para as coisas da política, talvez sua espontaneidade tenha atrapalhado essa parte dos seus sonhos. Mas em compensação, construiu um patrimônio invejável a partir de seu excepcional feeling para os negócios: a capacidade de negociar, de adivinhar em que valia à pena investir, o que estava bom de comprar, o que era hora de vender. E isto à um talento e tanto que deu origem a uma família de empresários igualmente bem-sucedidos.
Era um rapaz alto, claro, forte e bonito quando o conhecemos no começo dos anos 1960, dirigindo o carrinho azul-claro de representante do laboratório Carlo Erba. Da última vez em que estive com ele, em janeiro, ficamos folheando os álbuns com imagens do casamento em que eu, menina de uns 8 anos, carreguei as alianças. Gostava muito de mim e eu dele. Nossas divergências políticas recentes, nunca ensombreceram esse querer bem que, para ele, imagino, tinha a ver com o fato de ter me visto menina e me ver agora como uma escritora cujo reconhecimento fora do Ceará, ele admirava. Curiosamente, nessa última conversa, brincando com ele disse-lhe que ele iria mudar de posição política antes de assistir minha posse na ABL. Era algo que ele sempre dizia que queria assistir um dia. Comentário lisonjeiro de quem me admirava e me queria bem. Desta vez, no entanto, respondeu: não, eu não vou assistir à sua posse na academia. Antecipava talvez esse fim que deixa viúva minha irmã e órfãos filhos e netos que tinham nele o esteio de suas vidas.
Isabel Lustosa
*Isabel Lustosa. A sobralense é historiadora, ensaísta e escritora brasileira e atua como pesquisadora da Fundação Casa de Rui Barbosa. É doutora em Ciências Políticas pelo Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (Iuperj). Trabalhou ainda no Museu da República e no Iphan. Seus estudos sobre a história da imprensa no Brasil trouxeram-lhe destaque nacional. Isabel Lustosa é autora do livro infantil “A História dos Escravos”, que recebeu o certificado de Altamente Recomendável pelo Instituto Nacional do Livro Infantojuvenil/Fundação Nacional do Livro/Ministério da Cultura. É autora de obras como: “Dom Pedro I: um herói sem nenhum caráter”, “O nascimento da imprensa brasileira”, “O Chico e o avô do Chico”, “Brasil pelo método confuso – humor e boemia em Mendes Fradique” e “Caricatura”. |