ARTIGOS
PLÁCIDO CASTELO - O MEU GOVERNADOR
Plácido
Aderaldo Castelo
Marcelo
Caracas Linhares*
Em
11 de janeiro de 2006 decorreu o centenário de nascimento do Dr.
Plácido Aderaldo Castelo. O Instituto do Ceará não
poderia deixar de comemorar, tendo o presidente Eduardo Campos se esmerado
na festa, especialmente no seu discurso. Lamentei não poder falar
na ocasião, por motivo de saúde, eis que era o único
membro daquela Casa que havia sido seu colaborador como secretário
de Estado.
Conheci-o
no escritório do professor Olavo Oliveira, apresentado por meu
pai, Vicente Linhares. Admirei-me, ao ensejo, das qualidades que meu pai
lhe atribuía. Vi, entretanto, no decorrer dos tempos que se seguiram
que tudo o que ele me dissera era verdadeiro. Inteligente, culto, trabalhador
e competente. Logo depois fui morar no Cariri, a serviço do Banco
do Brasil e continuei recebendo testemunho de tudo isso, eis que Dr. Plácido
fora, entre outras coisas, Juiz de Direito em Juazeiro do Norte, onde
deixara grande nome.
No
governo Raul Barbosa foi secretário da Agricultura e tido, até
hoje, como um dos maiores secretários que o Ceará há
tido no setor. Eduardo Campos, no discurso do seu centenário, ressaltou
todas essas qualidades.
Chefe
de uma família numerosa criou todos os filhos com muita dignidade
e estão aí bem encaminhados na senda do trabalho. Meu pai,
que assumira a Caixa Econômica Federal do Ceará, preocupava-se
com ele não possuir moradia própria, não tendo onde
abrigar tantos dele dependentes. Com muita pressão conseguiu convencê-lo
de que deveria adquirir uma casa. Acabou comprando uma, modesta mas em
boas condições, financiada pela Caixa. A vida, contudo,
nos conduz por caminhos que não esperamos. Havia um vendedor de
bilhetes da loteria que fazia ponto em frente à Assembléia
Legislativa onde Dr. Plácido exercia mandato. Xavier - tal o nome
do vendedor, ainda hoje vivo - guardava sempre um bilhete, quando ele
ausente. Encontrando-se no interior do Ceará, na sua querida Mombaça,
não havia adquirido, mas, Xavier, entretanto, guardou-o. No sábado
à tarde foi ao centro da cidade e lá adquiriu. Foi sorteado
e, tendo horror a dívidas, apressou-se em pagar a Caixa, apesar
de meu pai procurar convencê-lo de que os juros eram baratos e não
havia, portanto, necessidade de saldar a dívida. Não houve
meios de convencê-lo. Era uma das facetas do homem.
Permitam-me
que conte um fato que me foi narrado por Moacir Aguiar - irmão
em pensamento que Virgílio Távora teve e a única
pessoa que tudo conhecia dele - e, com a descrição de que
era possuidor, mas nunca consegui obter a confirmação do
Dr. Plácido. Aproximando-se a eleição de 1966 pediu
a Moacir que conseguisse uma audiência com Virgílio. Depois
de muitos recuos, o governador acabou atendendo. Nela, Plácido
confessou não possuir os recursos financeiros para enfrentar a
próxima campanha para deputado estadual. Vinha indagar de Virgílio
se poderia pleitear ser seu suplente de senador da República, posição
até então admitida por todos como a ser disputada pelo governador.
Este, que sabia ser ferino quando desejava, respondeu: "Doutorzinho,
- fórmula muito usada por ele quando queria jogar alguém
para escanteio -, o senhor confessa não ter dinheiro para custear
a sua eleição para deputado estadual e quer ser meu suplente?
É melhor preparar-se e disputar mesmo a sua reeleição".
Dr. Plácido saiu do encontro desolado.
O
feeling político de Virgílio não o advertira
para o que poderia acontecer a seguir.
O
Ato Institucional nº 3, de 5 de fevereiro de 1966, determinava eleições
indiretas para provimento de onze governadores em estados da Federação,
o que se faria pela maioria absoluta dos membros das Assembléias
Estaduais, em sessão pública e votação nominal,
a realizar-se em 3 de setembro. Os demais governadores já haviam
sido eleitos por voto direto em 1965.
O
senador Daniel Krieger, na presidência do partido do governo, foi
encarregado pelo presidente da República de escolher os governadores
por um critério seletivo. Seria encaminhado para a votação
aquele cujo nome obtivesse a aprovação da maioria da bancada
estadual da Arena, em consulta prévia. A escolha, todavia, não
iria ocorrer de forma mansa e pacífica. Raros foram os estados
em que a opção decorreu de maneira harmoniosa. Basta ser
lembrado que no Rio Grande do Sul - terra do presidente da Arena - foram
cassados alguns deputados estaduais para que pudesse ser eleito Peracchi
Barcelos.
O
presidente Castello Branco havia reivindicado, todavia, para si, a solução
da sucessão cearense. Em princípio a Arena do Ceará
iria encaminhar uma relação de apenas quatro nomes. Castello,
em conversa com Sarasate, sugeriu a inclusão do nome de Plácido
Castelo. Ao ensejo, disse: "Tenho uma grande admiração
pelo deputado. Vamos, assim, homenageá-lo". Sarasate, muito
vivo, pressentiu que ele seria o homem.
A
Arena do Ceará produziu uma lista de cinco candidatos, pela ordem
de votação: deputado federal Paulo Sarasate, deputados estaduais
Plácido Aderaldo Castelo e Adauto Bezerra - este coronel do Exército,
general Murilo Borges Moreira, prefeito de Fortaleza, e o professor Waldemar
de Alcântara. Virgílio Távora já comunicara
que iria se desincompatibilizar para disputar uma vaga de deputado federal.
Sabia ele que, depois do problema da inauguração da energia
de Paulo Afonso em Fortaleza, não gozaria do beneplácito
do sistema para ser candidato ao Senado, na única cadeira
que iria ser disputada no pleito.
Foram
convocados os cinco candidatos e a Executiva do partido cearense para
uma reunião no Palácio do Planalto.
Para
Brasília - marcada a data do encontro - embarcaram Plácido,
Adauto e Waldemar e mais Franklin Chaves, como secretário do partido.
A viagem foi via Rio e de lá para Belo Horizonte e Capital Federal.
Ocorreu
um fato pitoresco. Ao se aproximarem de Brasília, Franklin disse:
"Se o candidato preferido estiver entre os que aqui vão, ao
desembarcarmos encontraremos toda a bancada federal no aeroporto".
Ao
chegarem ali se encontrava apenas o deputado Leão Sampaio, o que
serviu de grande desânimo aos viajantes.
Às
15 horas do mesmo dia, foram recebidos no Palácio do Planalto,
já aí acompanhados de Virgílio Távora e Paulo
Sarasate. Murilo Borges não compareceu.
Castello
tinha conhecimento de que a saúde de Sarasate não iria permitir-lhe
governar por quatro anos o estado. Ao sentar-se à mesa, iniciou
dizendo:
"Senhores:
governar o seu estado deve ser a pretensão de todo homem público.
Eu próprio, em certa fase de minha vida, muito quis chegar ao governo
de nossa terra. Fatos outros me conduziram para destinos diversos. Prossigamos:
aqui do meu lado está Paulo Sarasate; gostaria muito que ele voltasse
ao governo, preciso dele, todavia, para outras missões. Ele será
o nosso senador. Vizinho a ele e como o segundo mais votado na indicação
que recebi, está Plácido Castelo, por demais conhecido de
todos. Pergunto: governador Virgílio Távora, o senhor tem
alguma restrição ao nome dele? E continuou indagando dos
demais presentes. Todos responderam negativamente".
E
concluiu Castello:
"Em
face de não haver impedimentos ao nome do deputado Plácido
Castelo, será ele o nosso candidato ao governo cearense".
Continuando,
disse:
"Passemos,
agora, à escolha do vice-governador".
Adauto
Bezerra solicita a palavra e argumenta:
"Presidente,
sendo a ex-UDN o partido que deu o maior contigente para a formação
da Arena e Plácido não tendo a ele pertencido, creio que
de elemento daquele partido deverá sair o vice".
Waldemar
de Alcântara, por seu turno, contradita:
"Plácido
também não é do ex-PSD e o candidato ao Senado sairá
das hostes da ex-UDN. Logo, Presidente, é do ex-PSD que deverá
sair o vice".
O
presidente era muito cioso de suas prerrogativas e, em face da controvérsia,
diz que o assunto ficaria em suspenso e seria decidido no Palácio
das Laranjeiras, no Rio, onde os aguardaria dois dias depois.
No
Rio, a discussão continuou e não houve qualquer conclusão,
sendo marcada nova reunião em Fortaleza.
Uma
semana depois, na casa de José Moreira Cavalcante (Moreira da Cidao,
como era conhecido), onde Castello passara a se hospedar depois do incidente
da inauguração de Paulo Afonso, voltou-se, em reunião,
ao inconcluso debate.
Na
oportunidade, surgiu o nome de Eduardo Campos, atual presidente do Instituto
do Ceará (Manoel Eduardo Pinheiro Campos), dirigente no Ceará
dos Diários Associados, de Assis Chateaubriand. Castello
elogiou o candidato, mas contrapôs dizendo que ele, na função
que exercia nos Associados, já detinha muito poder e que
não se deveria dar dois poderes a uma mesma pessoa.
Na
realidade, o presidente arranjara o argumento, pois já tinha uma
indicação da área militar, o general professor
Francisco Humberto Ellery, que foi o escolhido.
Plácido
foi eleito e cumpriu o mandato até o último dia do seu excelente
governo. Ellery, também, ficou até o término do mandato.
(Publicado
na Revista do Instituto do Ceará, 2006, p. 109-113)
Marcelo Caracas Linhares
*Marcelo
Caracas Linhares. Nasceu em Fortaleza-Ce, no dia 15 de março
de 1924, filho de Vicente Alves Linhares e Edith de Caracas Linhares.
Casado com Irismar Machado Linhares. Bacharel em Ciências, Jurídicas
e Sociais (Faculdade de Direito do Ceará, 1953). Cursos de Administração
de Empresas da Escola de Administração da Universidade Estadual
do Ceará e Superior de Guerra da Escola Superior de Guerra do EMFA.
Funcionário e, depois, advogado do Banco do Brasil. Ocupou numerosas
funções públicas, como Secretário de Planejamento
do Estado do Ceará, representante do Ceará junto ao Conselho
Deliberativo da SUDENE, membro do Conselho do Serviço Telefônico
de Fortaleza, assessor dos Ministros da Educação e da Justiça.
Quatro vezes eleito Deputado Federal, ocupou importantes postos na hierarquia
da Câmara e participou seguidamente de viagens de estudos e observações
a países da América, Europa, África e Ásia.
Presidente da Associação Interparlamentar de Turismo brasileira
e vice-presidente da sede da entidade, na Suíça. Presidiu
o grupo de parlamentares brasileiros às conferências da Organização
Mundial de Turismo em Nova Delhi, Budapest, Sófia e Lisboa. Detentor
de importantes comendas e medalhas conferidas pelo Brasil, Chile e Coréia
do Sul. Publicou: Irrigação Um Problema Brasileiro (1971);
Partidos e Realidade Política (1974); De Mombaça à
Mombasa (1976); Uma Estratégia de Combate às Secas do Nordeste
(1977); Democracia sem ódio (1977); Os Partidos Políticos
e a Conjuntura Nacional (1981); A Maçonaria e a Questão
Religiosa no Segundo Império (1988) e História da Maçonaria
(1993), entre outros. Membro do Instituto do Ceará e da Academia
de Letras dos Funcionários do Banco do Brasil. Faleceu em Fortaleza-Ce,
no dia 14 de agosto de 2007, aos 83 anos de idade.
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