ENFOQUE
A ABSURDA SENTENÇA DA NOVELA INSENSATO CORAÇÃO
Raugir Lima Cruz*
Não
se pode negar que novelas são obras de ficção, contudo,
seus autores as mostram de forma que pareçam o mais próximo
possível à realidade. Sendo assim, deveriam ter o cuidado
ao tratar de temas jurídicos para não passar para o público
situações totalmente absurdas, como a sentença condenatória
proferida há poucos dias ao personagem Pedro interpretado pelo
ator Heriberto Leão.
Na novela referida
no título, um Juiz de Direito profere uma sentença penal
condenatória por crime de homicídio culposo ao personagem
acima falado de 4 (quatro) anos e 9 (nove) meses de detenção
em regime fechado, de forma que o condenado saiu da sala de audiência
direto para um presídio.
Na sentença
o Juiz da novela argumenta oralmente que condenava o réu a quatro
anos de detenção por homicídio culposo e acrescentava
mais nove meses pela negligência.
Podemos afirmar que
jamais um Juiz “de verdade” cometeria tamanhos absurdos. Vejamos:
1) Antes vale esclarecer,
para quem desconhece, que homicídio culposo é aquele em
que o autor não tinha a vontade que o resultado acontecesse (no
caso da novela a morte da passageira do avião), mas, por imprudência,
negligência ou imperícia produziu o resultado.
2) O homicídio
culposo está previsto no § 3º do artigo 121 do Código
Penal, o qual prevê uma pena de detenção de 1 (um)
a 3 (três) anos. Entretanto esta pena pode ser aumentada em um terço
se o crime resulta de inobservância de regra técnica de profissão,
arte ou ofício, ou se o agente deixa de prestar imediato socorro
à vítima, não procura diminuir as conseqüências
do seu ato, ou foge para evitar prisão em flagrante, isso em relação
a homicídio culposo.
3) Há no nosso
ordenamento jurídico duas espécies de penas privativas de
liberdade: pena de reclusão e pena de detenção. A
única diferença básica é que a reclusão
deve ser cumprida em regime fechado, semi-aberto e aberto e a pena de
detenção em regime semi-aberto e aberto. Observe-se que
o regime de cumprimento do réu da novela das oito foi de detenção,
portanto, em tese o seu cumprimento já deveria ter iniciado no
semi-aberto ou aberto.
4)
Ao fixar a pena, o Juiz deve atender ao previsto no artigo 59 do Código
Penal, de forma que analisando à culpabilidade, aos antecedentes,
à conduta social, à personalidade do agente, aos motivos,
às circunstâncias e conseqüências do crime, bem
como ao comportamento da vítima, aplicará de forma necessária
e suficiente para a reprovação e prevenção
do crime as penas aplicáveis entre as cominadas, a quantidade dentro
dos limites previstos, o regime inicial de cumprimento da pena e a substituição
da pena privativa de liberdade por outra espécie de pena, se cabível.
5) Observa-se que o
Juiz da novela, primeiro não atentou em nada ao previsto no art.
59 CP (item anterior), visto que o personagem apresentava em favor de
si, bons antecedentes, excelente conduta social, não apresentava
personalidade voltada para o crime, etc.
6)
Além de tudo, ao impor a pena, o Juiz, por todas as provas e circunstâncias
do processo, deveria ter aplicado a pena base no mínimo prevista
ou o mais próximo do mínimo, ou seja, a pena base do réu
seria de 1 (um) ano, aumentada de 1/3 pela inobservância de regra
técnica, o que segundo a novela, o réu – piloto de
avião deixou de checar o tipo de combustível usado na aeronave,
de forma que a pena final seria 1 (um) ano e 4 (quatro) meses de detenção
em regime semi-aberto ou aberto.
7)
Entretanto, essa pena privativa de liberdade seria substituída
por pena restritiva de direitos, conforme a parte final do artigo 54 do
CP que prevê essa substituição em todos os crimes
culposos; O réu da novela não era reincidente em crime doloso,
a sua culpabilidade, antecedentes, conduta social, a sua personalidade,
os motivos e as circunstâncias do crime indicavam que a substituição
da pena de prisão por restritivas de direitos seriam suficientes,
conforme previsto no artigo 44 do CP, assim, obrigatoriamente deveria
ter obtido a substituição da pena de prisão por restritiva
de direitos.
8)
Além de tudo, se considerássemos a quantificação
da pena aplicada pelo Juiz de “Insensato Coração”
correta (o que não está), assim mesmo o réu Pedro
teria o direito de recorrer em liberdade, visto ausentes qualquer dos
requisitos que ensejam uma custódia preventiva.
Portanto,
a pena aplicada na novela é totalmente esdrúxula, visto
que, naquele caso o réu não ficaria preso e cumpriria uma
pena restritiva de direitos, como prestação pecuniária,
perda de bens e valores, prestação de serviços à
comunidade ou a entidades públicas, interdição temporária
de direitos e limitação de fins de semana, tudo previsto
no artigo 44 e seus incisos, sem atentar para o art. 77 que trata da suspensão
da pena privativa de liberdade. Na novela Insensato Coração
o Juiz desconhece a lei e o advogado do réu possivelmente não
advoga na área criminal.
Obs.: Se você
tem alguma curiosidade ou dúvidas sobre seus direitos, nos envie
um e-mail para raugirlima@hotmail.com que tentaremos esclarecê-las
nos próximos artigos.
(Publicado
no jornal ,
Ano XXXV, nº 116, Abril/2011).
Untitled Document
*Raugir
Lima Cruz. Oficial de Justiça da Comarca de Quixelô-CE.
É mombacense de Senador Pompeu, Ceará, onde nasceu no
dia 15 de janeiro de 1966, filho de Etevaldo Lima Cruz e de Francisca
Zeneida Lima Cruz. Graduou-se em Pedagogia na Faculdade de Educação,
Ciências e Letras de Iguatu - FECLI. É bacharel em Direito
e pós-graduado em Direito Penal e Criminologia pela Universidade
Regional do Cariri - URCA. Obteve o 2º lugar no Concurso Literário
Rachel de Queiroz, promovido em 2006 pelo Fórum Clóvis
Beviláqua em comemoração aos 30 anos da sua biblioteca,
com a crônica .
A sua crônica foi publicada na coletânea “Sertão:
olhares e vivências” com os dez trabalhos classificados
no referido concurso. No dia 18 de dezembro de 2007 recebeu o título
de cidadão quixeloense concedido pela Câmara Municipal
de Quixelô. É autor dos artigos "Uma análise principiológica e legal das interceptações telefônicas: a produção probatória à luz do princípio da proibição da proteção deficiente", publicado na edição nº 87, ano XIV, abril/2011, da Revista Âmbito Jurídico e “A aplicação da Willful Blindness Doctrine na Lei 9.613/1998: A declaração livre e a vontade consciente do agente”, publicado no volume nº 9, edição 2011, da Themis, revista científica da Escola Superior da Magistratura do Estado do Ceará (ESMEC).
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