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Padre Sarmento de Benevides: poder e política nos sertões de Mombaça (1853-1867)
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HISTÓRIA


O Judas no Sábado de Aleluia, no Rio de Janeiro,
em cena desenhada e descrita por Debret.

MALHAÇÃO DO JUDAS

 

Malhar o Judas é uma prática ainda muito comum no Brasil, apesar do costume praticamente ter sido banido das grandes cidades por falta de locais adequados e dos perigos que representa. No interior, entretanto, a tradição continua viva, e os bonecos de palha ou de pano, pendurados em postes de iluminação pública e galhos de árvores, são rasgados e queimados no sábado de Aleluia.

Tradição popularíssima na Península Ibérica, radicou-se em toda a América Latina desde os primeiros séculos da colonização européia. No Rio de Janeiro oitocentista, os Judas - com fogo de artifício no ventre - apareciam conjugados com demônios, ardendo todos numa apoteose multicolorida que o povo aplaudia.

No Brasil, é costume antigo fazer-se o julgamento de Judas, sua condenação e execução. Antes do suplício, alguém lê o “testamento” de Judas, em versos, colocado especialmente no bolso do boneco. O testamento é uma sátira das pessoas e coisas locais, com graça oportuna e humorística para quem pode identificar as figuras alvejadas.

Judas, apóstolo traidor, cognominado Iscariotes por ser oriundo de Carioth, cidade ao sul de Judá, já um ano antes da Paixão de Jesus tinha perdido a fé no Mestre, mas continuava a acompanhá-lo por comodidade e para ir furtando do que ofereciam aos apóstolos.

Obcecado pelo dinheiro, antes de se afastar de Cristo, resolveu entender-se com os sinedritas - membros do Sinédrio, conselho supremo dos judeus. Judas assistiu ainda à última ceia, em que Jesus revelou a sua traição, mas foi logo ao encontro dos inimigos de Cristo para cumprir o que tinha combinado e receber 30 dinheiros. Consumada a traição, arrependeu-se, quis restituir o dinheiro, mas, repelido pelos sacerdotes, enforcou-se numa corda.

As conseqüências do progresso que fez desaparecer o folclore e as tradições nos centros urbanos, também podem ser observadas em Mombaça, com relação à malhação do Judas, uma tradição que exterioriza emoções e que hoje é lembrada por poucos.

Para relembrar esta festa que por muitos anos foi comemorada com muito bom humor pelos mombacenses, transcrevo do documento original um testamento do Judas, que representava o escritor e político brasileiro Plínio Salgado (3), em 44 versos (sendo 42 datilografados e os 2 últimos escritos a caneta), de autoria atribuída a José Marques de Sousa, sem data, escrito durante uma das gestões do ex-prefeito Carlos Augusto Castelo Benevides (1934-1935, 1936-1937, 1945-1947 e 1948-1951). Segundo o empresário mombacense José Evenilde Benevides Martins (1939-2022), o Zevenilde, tal evento ocorreu no ano de 1945, do qual foi testemunha, há exatamente 78 anos.

TESTAMENTO DE S. EX.ª O SR. JUDAS

Para o amigo Abdon
Que sempre anda no trilho
Vou deixar como herança
Um formoso pé de milho.

Para o Pedro Militão
Que é bonito, rico e valente
Fica para vender no bar
Meia dúzia de aguardente.

Para Floriano Pompeu
Cidadão muito macio
Para vir falar comigo
Vá tomar um banho no rio.

[ilegível] Sinfrônio
Que é bom comerciante
Não se incomode com os outros
Toque o negócio pra adiante.

Para Francisco Martins
Que já tem um fortunão
Para aumentar-lhe a riqueza
Deixo-lhe um pé de mamão.

Ao amigo Joquinha
O homem que possui prata
Vou deixar-lhe como herança
Um formoso pé de ata.

Ao amigo Luiz Siqueira
Comerciante sem manha
Deixo-lhe uma ordem severa
Extrair aquela banha.

Meu amigo Zé Custódio
Que é amigo do peito
Deixo negócio clandestino
E vá trabalhar no dito.

Meu amigo Antonio Jaime
Cidadão independente
Tenha cuidado com eles
Que os bichos não são gentes.

E o Aluízio Freire
Que é fiscal de açude
Não vá com o PRP (1)
Não se meta nesse grude.

[ilegível]
Tenha de mim piedade
Venha me tirar da forca
Lhe peço por caridade.

Para o Francisco Sabino
Que já tem muito dinheiro
Para aumentar a fortuna
Deixo o rebanho de carneiros.

Para o primo Antonio Siqueira
Que vai visitar nu
Para comprar uma roupa
Deixo um garrote Zebu.

Para o primo Militão
Que é cabra esbagaçado
Deixo-lhe como herança
O meu cavalo melado.

Pra meu tio Chico Lucas
Que é fiscal do consumo
De herança vou deixar
Vara e meia de fumo.

Para o primo Castelinho
Amigo do coração
Vou deixar-lhe de herança
Um possante caminhão.

Para meu irmão Zé Tomé
Que nasceu de sete meses
Como herança lhe deixo
Um jumentinho de seis.

[ilegível]
[ilegível]

Vou deixar-lhe como herança
Um sítio todo plantado.

Para meu tio velho Antonio Jaime
Não tendo o que lhe deixar
Deixo uma jumentinha
Muito boa de criar.

Para o vovô Zé Machado
Que nasceu no mês de maio
Vou deixar-lhe como herança
Um mimoso papagaio.

Para o primo Francisco Sales
Que anda pintando o sete
Vou de herança deixar-lhe
Um caminhão Chevrolet.

Para o primo Antonio Manuel
Cego velho lá da Ribeira
Vou deixar-lhe por herança
Uma lancha torpedeira.

Para o primo Zé Irene
Que é rapaz de futuro
Vou deixar-lhe uma caçamba
Pra botar água seguro.

Pra primo Joaquim Domingos
Que gosta de viajar
Deixo-lhe pois como herança
Um galo pra lhe cantar.

[ilegível] Oliveira
Amigo que não engana
Como ele possui um bar
Deixo-lhe o sítio de cana.

Para o Valter Benevides
Que é agronômo-engenheiro
Deixo a medição de terras
Pra tomar muito dinheiro.

Para o primo Jorge Fagundes
Que é bicho que não empanca
Deixo-lhe para ele guiar
Um caminhão cara branca.

Para o primo Lauro Oscar
Que gosta bem da folia
Quando ele descansar
Tem uma barbearia.

Para o primo Manuel Irene
Que gosta de andar na moda
Como já não tenho nada
De um carro deixo as rodas.

Para o Joaquim do Motor
Que tem força no cangote
Para não ficar sem nada
Lá no sítio tem um pote.

Para o primo Capitão Rocha
Que é um velho cutuba (2)
Vou deixar-lhe como herança
Um sítio na Carnaúba.

Para o primo Chiquito
Que é bom oficial
Deixo-lhe minha camisa
Pra brincar o carnaval.

Para o meu primo Expedito
Que é pessoa muito fina
Deixo-lhe como herança
Uma caixa de penicilina.

Para o primo Chico Jaime
Que só quer juntar dinheiro
Vou dar-lhe sempre um conselho
Não queira morrer solteiro.

Pro amigo veio Zé Soares
Que é bicho que não nega
Deixo-lhe pra se divertir
No mercado, uma bodega.

Para o querido Cazuza
Que é jogador de fama
Deixo-lhe aí um parceiro
Pra dar-lhe uma surra na dama.

Para o primo João Alencar
Que tem cana no quintal
Deixo-lhe a gravata preta
Pra ele suar, só de mal.

Então pra Doutor Ari
Que é médico de verdade
Deixo-lhe uma farmácia
Pra servir a humanidade.

Pro mano Joaquim Paulino
Alfaiate muito prático
Deixo como uma lembrança
O meu bom par de sapatos.

Para a firma Moreira & Silva
Duas pessoas grã finas
Vou deixar-lhes como herança
Pra tomar banho, uma tina.

O primo Carlos Augusto
Prefeito Municipal
Vá cuidar logo de hoje
Na campanha eleitoral.

Para o primo Chico Morais
Que ficou sem o quinhão
Vai trabalhar com o Jorge
Pra lavar o caminhão.

Para o primo Ibiapina
Que é moço inteligente
Deixo um emprego seguro
No Instituto e Prudência.

Para o meu primo Ioiô
Vulgo Francisco Teixeira
Deixo pra comer na semana
Um quilo de macaxeira.

Do amigo certo, Plínio Salgado.


Plínio Salgado

1. PRP - Partido de Representação Popular.

2. Cutuba - adj. De primeira ordem, ótima; valente, forte. (Girão, Raimundo. Vocabulário Popular Cearense. Fortaleza: Edições Demócrito Rocha, 2000.)

3. Plínio Salgado - Escritor e político brasileiro. Nasceu em São Bento do Sapucaí (SP), em 22 de janeiro de 1895. Foi deputado estadual (1928-1930), em São Paulo, pelo Partido Republicano Paulista. Em 7 de outubro de 1932, em São Paulo, divulgou um manifesto à nação brasileira, que ficou conhecido como “Manifesto de Outubro”, no qual apresenta as diretrizes básicas de uma nova agremiação política - a Ação Integralista Brasileira (AIB). O ideário da AIB inspirava-se nitidamente no fascismo italiano e em seus similares europeus. Valorizava, ainda, uma série de rituais e símbolos, como a utilização da expressão indígena “Anauê” como saudação, a letra grega sigma () e os uniformes verdes com os quais seus militantes desfilavam pelas ruas. Em 1938, militantes integralistas tentaram, sem êxito, por duas vezes, nos meses de março e maio, promover levantes para depor o presidente Getúlio Vargas. Em maio de 1939, foi preso e enviado para um exílio de seis anos em Portugal. Voltou ao Brasil em 1945, com a redemocratização do país. Reformulou, então, a doutrina integralista e fundou o Partido de Representação Popular (PRP). Em 1955, lançou-se candidato à presidência da República, obtendo 714 mil votos (8% do total). Em 1958, elegeu-se deputado federal pelo Paraná. Reelegeu-se em 1962, desta vez por São Paulo. Em 1964, foi um dos oradores da “Marcha da Família com Deus pela Liberdade”, em São Paulo, contra o presidente João Goulart. Apoiou o golpe militar daquele ano e, com a extinção dos antigos partidos, ingressou na Aliança Renovadora Nacional (Arena), criada para auxiliar na sustentação ao novo regime. Por essa legenda obteve mais dois mandatos na Câmara Federal, em 1966 e 1970. Por fim, encerrado seu mandato em 1974, recolheu-se à vida privada, falecendo em São Paulo (SP), em 7 de dezembro de 1975, com quase 81 anos de idade.

Música-tema da página: Odeon, de Ernesto Júlio Nazareth (1863-1934), pianista e compositor brasileiro, considerado um dos grandes nomes do "tango brasileiro" ou, simplesmente, choro.


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