HISTÓRIA
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Fac-símiles
de carta e abaixo-assinado denunciando ao presidente da Província
do Ceará, Francisco Xavier Paes Barreto, as ações
políticas do padre Antônio José Sarmento de
Benevides na vila de Maria Pereira, publicados no jornal "O
Araripe", edição nº 109, p. 2-3, de 12 de
setembro de 1857.
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PADRE
SARMENTO DE BENEVIDES: HERÓI OU VILÃO DA FORMAÇÃO
SÓCIO-POLÍTICA MOMBACENSE?
O
padre Sarmento de Benevides exercia uma função de proa nas
eleições municipais, pois, como padre paroquial, presidia
as eleições junto com um juiz de paz eleito e o delegado
de polícia nomeado. Era ao mesmo tempo vigário da paróquia,
deputado provincial e membro da mesa eleitoral. (CRUZ, 2010, p. 62)
O padre Sarmento de
Benevides foi um personagem emblemático que provocou sentimentos
extremos de amor e ódio. Os próprios inimigos auferidos
nos embates políticos, o respeitavam. O seu estilo impetuoso o
levou a ser, por determinados períodos, suspenso de ordens e da
vigairaria, sem, contudo, deixar de exercer, com mão forte, a sua
liderança política. (CRUZ, 2010, p. 83)
Dois anos após
a apresentação da monografia "A administração
pública em Mombaça e a influência do padre Sarmento
de Benevides (1853-1867)" à banca examinadora da UNICE - Ensino
Superior, como requisito parcial para a obtenção do título
de Bacharel em Administração, localizamos na seção
Correspondências, da edição nº 109, do jornal
"O Araripe", de 12 de setembro de 1857, os documentos que são
reproduzidos logo abaixo: uma carta apócrifa (assinada por "O
Mumbacense") e um abaixo-assinado que tem como signatários
Antonio Honorato Silva Limoeiro e outras 52 assinaturas de diversos, denunciando
ao presidente da Província do Ceará, Francisco Xavier Paes
Barreto, as ações políticas do padre Antônio
José Sarmento de Benevides na vila de Maria Pereira.
Os textos foram transcritos
na íntegra e obedecem à grafia original, mantendo-se os
erros ortográficos. Fica a pergunta: o padre Sarmento de Benevides
foi herói ou vilão da formação sócio-política
mombacense? Cabe à História julgar.
O
padre Antônio José Sarmento de Benevides foi deputado provincial
do Ceará em oito legislaturas, chefe local do Partido Conservador,
membro da mesa eleitoral e inspetor das aulas da vila de Maria Pereira.
(Acervo: Sala de História Eclesiástica do Ceará.
Fotografia restaurada digitalmente por Thiago Gurgel. Contato: (85) 99985-6841.)
Sr.
Redactor do Araripe.
Certão de Maria
Pereira 23 de Agosto de 1857.
Acabo de lér
o virolento e estupido descurso proferido na assembleia provincial do
Ceará em sessão do 29 de Julho p. passado pelo Vigario desta
Freguesia Antonio José Sarmento de Benevides: em verdade fiquei
surpreso da audacia de um homem que valendo da immerecida posição
a que o elevou o frenesim dos partidos, do alto da Tribuna vomita as mais
asquerosas calumnias, de que alguem por mais canalha que fosse podia lembrar-se,
contra respeitaveis cidadaos a quem vota odio. Eu não devia deixar
passar desaprecebida tanta bandalheira, só digna do homem vicioso
e incorregivel, mas naõ julgo que esse descurço fizesse
a menor impressão no publico contra os calumniados, e que os homens
imparciaes farão do sr. Vigario Sarmento, aquelle conceito de que
elle se fés digno, por seu proprio descurso.
A conducta, moralidade,
e probidade dos Senhores dr. Francisco Gonsalves da Rocha, Major Rodrigo,
André Joaquim de Oliveira, Alferes Lemos, e dos mais sobre quem
o Vigario lancou sua immunda baba, estão mui a cima da desse detractor
convicto. Os factos fallão mais alto, do que a vóz de um
calumniador; partindo pois desse principio peço a vm. publique
em seu jornal a representação que a esta acompanha na qual
apenas se contem a milessima parte dos destempeiros aqui praticados por
esse pastor incorrigivel. Por esses factos o publico se convencerà
do caracter de um homem que coberto de peccados se atreve com tanta sem
cirimonha a calumniar a homens probos.
Com a publicação
destas linhas, e da representação de que a cima trato lhe
será grato.
O Mumbacense.
ILLM. EXM. SR.
Nòs abaixo assignados
levamos ao conhecimento de V Ex os horrorosos crimes que se tèm
perpetrado neste termo, desde que assumio ao cargo de delegado de Policia
o Cidadaõ Joaõ Alves de Carvalho Gaviaõ, os quaes
naõ teem sido punidos pelo delegado e mais authoridades deste Termo;
assim como alguns factos vergonhosos e criminosos praticados pelo mesmo
delegado e mais authoridades, que saõ regidas pelo Vigario desta
Freguesia Antonio José Sarmento de Benevides, homem sem pondonor,
que protege ao crime, pelo mesquinho interesse de quantias que recebe
dos criminosos, para faser com que as authoridades naõ cumpraõ
com seus deveres deixando passar impunes os mesmos crimes. Passamos a
expor a V. Ex. alguns factos bem sabidos de toda populaçaõ
deste termo, ou para milhor diser de toda Comarca, para que V. Ex. tomando
em consideraçaõ dê as providencias que achar convenientes;
os quaes são os seguintes.
Em
dias do mez de Outubro do anno proximo findo José Felix de tal
morador no lugar denominado Cacimba do meio do discricto desta Villa,
casado ha um mez pouco mais ou menos, assassinou sua propria mulher com
um tiro de espingarda ou clavinote que lhe descarregou sobre o pescoço,
e no mesmo momento que perpetrou o crime veio a casa do Vigario nesta
Villa valer-se delle ( como he publico ) entretanto que apenas se fes
corpo de delicto no cadaver da pobre infelis que foi sepultada nesta Villa,
e até o presente inda naõ se instaurou o processo, e nem
foi perseguido este barbaro assassino, por ser protegido do Vigario.
Em
dias do mes de Outubro tambem do anno proximo passado, tendo vindo a esta
Villa para a sessaõ do jury o Juis Municipal em exercicio de Juis
de Direito interino o dr. Jose Fernandes Vieira Bastos, em sua volta desta
Villa para a do Thauà, na distancia de tres ou quatro legoas encontrou
um sequito de seis criminosos todos armados de clavinotes, montados a
cavallo, entre os quais o mais nomiado é o pardo Manoel Francisco
criminoso em duas mortes e um roubo, e se acha residindo neste termo apatrocinado
do Vigario desta Freguesia, que se dirigiaõ a esta Villa: immediatamente
o mesmo dr. na primeira morada que encontrou deixou de seguir sua viagem:
e dahi officiou ao delegado de Policia Gaviaõ, e fes, voltar seo
ordenança com dito officio para o delegado, afim de serem capturados
dentro da Villa os ditos criminosos; porem foraõ baldados os exforços
e providencias do mesmo dr., porque quando chegou as maõs do mesmo
delegado o dito officio, os criminosos se achavaõ em casa do Vigario,
e elle logo que leo foi para onde se derigio como foi presenciado pelo
soldado conductor do officio e por todo povo que se achava nesta Villa.
Logo
que, Exm. senhor, o delegado entrou em casa do Vigario sahiraõ
os ditos criminosos, montaraõ se a cavallo, e retiraraõ
se desta villa, e ao depois de algum tempo passado, foi que o delegado
mandou notificar alguns cidadaõs, para os perseguir, quando ja
mais os poderia encontrar.
Deste
facto que acabamos de mencionar, poderá informar se V. Exm do mesmo
dr. que estamos convencidos, que elle naõ recusará diser
a verdade, pois se sabe de todo occorrido.
No
dia desaceis de desembro proximo passado, foi espancado no segundo districto
deste termo na povoaçaõ da Pedra branca, o pardo de nome
Antonio Angelo, por dous indeviduos os quaes ignora seja porem dis a vós
publica ter sido o auctor deste espancamento o vigario desta freguesia,
por causa de uma mulher meretris. Este facto naõ affirmamos a V.
Exm; porque naõ temos certesa delle.
No
dia deseceis de desembro proximo passado foi preso pelo delegado de policia
nesta villa as sete horas da manha o cidadaõ Antonio Alves de Castro
filho de Antonio Rodrigues Delgado, moradores no lugar denominado Riacho
do Mosquito, pelo falso crime de defloramento de uma moça de vinte
e tres a vinte e quatro annos, que ja tem tido dous filhos e acha-se peijada
d' um terceiro como é publico e notorio; entretanto o delegado
querendo que o dito Castro reparasse o damno causado por outros ja a annos
passados, o prendeo a sua ordem, amiaçou disendo que se elle naõ
casasse assentaria praça, porem o dito Castro moço de vergonha
filho de um pae de sentimentos nobres, preferia antes assentar praça
do que emvergonhar sua familha.
A
vista da resposta do dito Castro o delegado immediatamente deitou lhe
par de algemas e como recruta o mandou para o quartel do Alferes Lemos,
extacionado nesta villa, para tel o em segurança até que
lhe désse o conveniente destino; ahi esteve até o dia 26
do mesmo mes, dia em que de novo mandou-o buscar a sua presença,
para ver se o dito Castro ja estava resolvido a casar com dita moça:
ao que elle respondeo que naõ, que nada devia.
O
delegado porem sabendo que o dito Castro naõ estava no caso de
servir ao exercio por ser o filho unico que tem o supracitado Delgado,
anciaõ de 60 e tantos annos, o seo unico arrimo em sua velhice,
por isso que tendo exempções legaes, o soltou.
Ponderámos
á V. Ex. que a rasaõ que teve o delegado para prender dito
Castro, foi ter o pae do mesmo Castro, appresentado de publico, no dia
dois de novembro proximo passado ao dr. juis de direito desta comarca
o sr. Rocha, e dos alferes Lemos e Castro, e muitas pessoas, um animal
cavallar, que Joaõ Alves de Carvalho Tatajuba, ex juiz municipal
supplente, primo do delegado, tinha furtado delle; ferrado sobre o ferro
delle, e vendido a outro, achando se o dono ainda no desembolso do dito
animal, porque o comprador naõ quis entregal o voluntario e toda
justica local é dominado pelo vigario socio de semilhantes perversidades.
No
dia dois de janeiro deste anno, Reginaldo José, espancou barbaramente
com um cacete nas ruas desta villa, uma mulher de nome Maria de tal por
alcunha Boneca, na qual lhe fes dois ferimentos na cabeça
e muitas contusões pelo corpo; por mando de Maria Gomes Benevides,
prima do vigario desta freguesia, casada com Bernardino Lopes de Moraes
morador nesta villa, por causa de entrigas particulares, e sendo logo
preso o delinquente em flagrante pelo mesmo delegado, por que o espancamento
fora feito junto a sua casa, e elle ignorava quem tinha sido o mandante.
Porem
no dia seguinte foi solto o mesmo delinquente sem mais satisfaçaõ
ao publico e nem ser punido, entretanto que a pobre infelis acha se doente
em cima de uma cama.
Este
facto Exm senhor, foi publico nesta villa e bem poderá informar
a V. Ex o alferes Lemos, que se acha extacionado nesta villa, em quem
depositamos confiança, e estamos convencidos pelo seo caracter
sincero, que naõ recusará informar a V. Ex. o facto, tal
qual como acabamos de expender, pois que foi tambem por elle presenciado.
Concluiremos
pois Exm. senhor narrando nao todos os factos que tem occorido neste termo,
e sim sò estes mais recentes, para que V Ex. possa conhecer dos
actos praticados pelas authoridades deste termo sendo auctor de todos
estes màos procederes das authoridades o vigario desta freguesia
Antonio José Sarmento de Benevides.
Exm.
senhor, o vigario desta freguesia, é o Mentor das authoridades
actuaes porque foraõ por elle indicadas e por essa presidencia
aprovadas e nomiadas, resultando que, Ex. senhor, estes cidadaõs
sem força moral, nem prestigio algum, apenas vivem de seos officios,
sendo o delegado carpina e o ex juis municipal supplente capateiro,
ja mais poderaõ impor a estes a quem tudo devem, porq' d'antes
viviaõ obscuros sem serem conhecidos na sociedade, e hoje dominaõ
e massacrão os propriétarios deste termo.
Esperamos
do justiceiro coração de V. Ex. que attendendo as rasões
expendidas e conhecendo da verdade dos factos que exposemos, pelos quais
juramos, V. Ex. dê as providencias como achar da justiça,
para que possaõ os povos deste termo gosar de tranquilidade e segurança
individual.
Deos
guarde a V. Ex. Villa de Maria Pereira 9 de janeiro de 1857
Illm.
Exm. Senhor Dr. Francisco Chavier Paes Barreto, presidente desta provincia
Antonio
Honorato Silva Limoeiro
Seguem se mais 52 assignaturas
de diversos.
Fonte:
Biblioteca Nacional Digital do Brasil. Disponível em: <http://memoria.bn.br/DocReader/DocReader.aspx?bib=213306&pagfis=452&pesq=&esrc=s>.
Acesso em 08-JUL-2012.
Música-tema
da página: Odeon, de Ernesto
Júlio Nazareth (1863-1934), pianista e compositor
brasileiro, considerado um dos grandes nomes do "tango brasileiro"
ou, simplesmente, choro.
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