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Padre Sarmento de Benevides: poder e política nos sertões de Mombaça (1853-1867)
Mombaça: Terra de Maria Pereira
Grandes Juristas Cearenses - Volume II
Padre Sarmento de Benevides: poder e política nos sertões de Mombaça (1853-1867)
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Clique para ouvir o depoimento de Fernando Cruz à rádio Assembléia FM 96,7 sobre a história político-administrativa de Mombaça, em 16/03/2009.

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ARTIGOS

MOMBAÇA, MEU REINO DO IMAGINÁRIO

 


Representação da vila de Maria Pereira, no século XIX, réplica em óleo sobre tela (100 cm x 70 cm), de autoria de Kleber Pinheiro (2005).

Maria da Glória Sá Rosa*

Em minhas lembranças de Mombaça, o real e o imaginário se confundem em nebulosa de emoções. Frequentemente, me surpreendo pensando: Não terei vivido no sonho os acontecimentos que estou tentando recompor? Apesar de nascida em Mombaça, vivi pouco tempo por lá, apenas os primeiros anos da infância, quando éramos felizes e ninguém estava morto.

Contava minha mãe que fui retirada a ferro de seu útero por uma parteira chamada Benvinda; o parto acontecera de repente e não havia médico na cidade. Até hoje tenho na testa o sinal do fórceps, que provocou uma ferida transformada em cicatriz. Escapei, graças a uma promessa de minha mãe à Nossa Senhora da Glória, de quem tenho o nome.

A cidade tinha poucas ruas, algumas de nomes engraçados como rua da Goela. No centro ficava uma pracinha, local de encontro dos namorados. Em frente, a agência do Correio, chefiada por minha tia-avó Cristina Aderaldo que costumava colocar o lembrete urgentíssimo em todas as cartas que enviava.

Minha mãe, Cleonice Chaves e Sá, professora formada na Escola Normal de Fortaleza, era uma mulher inteligente e meiga, mas dotada de vontade firme no que dizia respeito à educação dos filhos. Foi com ela que me alfabetizei. A cartilha eram as manchetes de jornais.

Meu pai, Tertuliano Vieira e Sá, apesar de ter apenas o curso primário, era dono de um texto ágil e coerente, resultado das leituras que as pessoas daquele tempo costumavam fazer. Comerciante com sangue de cigano, veio duas vezes a Mato Grosso do Sul, onde se fixou com a família para escapar das dificuldades econômicas da região nordestina.

Minha primeira lembrança de Mombaça é a residência de meus avós, José Laurindo de Araújo Chaves, que foi vereador, e Etelvina Aderaldo Chaves, que gerou 17 filhos dos quais 11 sobreviveram. Recordo-me das árvores frondosas em frente à casa de tetos altíssimos, na qual eu gostava de ficar descascando pedacinhos da pintura envelhecida das janelas.

A grande diversão era o banho no rio Banabuiú, com as mulheres em horário diferenciado dos homens, na inocente nudez de quem está em paz com o mundo. Outro passeio era no sítio de minha tia-avó, Antonina Castelo (Tininha), mãe de Plácido Castelo, que foi governador do Ceará e de José Aderaldo Castello, escritor e professor doutor da Universidade de São Paulo.

Sinto o perfume do incenso das missas na matriz de Nossa Senhora da Glória, e escuto as vozes estridentes que vinham do coro, enquanto revejo os banquinhos forrados de veludo, com o nome de cada dono numa plaquinha dourada.

Minha tia Adelide Chaves tinha uma escola particular na sala principal da casa de meu avô. Costumava organizar festas de fim de ano com cantos e declamações. Numa delas minha tia Nídia, a caçula das irmãs, fez sucesso com uma canção que começava assim:

Sou índia nasci nos campos
Numa cabana modesta

Depois do jantar, as pessoas se reuniam na calçada. Uma atmosfera de nostalgia provocava o retorno de lembranças dos que não estavam mais ali. Falava-se dos bisavós: o pai de José Laurindo que morrera queimado; de Francisco Aderaldo, meu bisavô, famoso pelos conhecimentos de leis; de Quinha, irmã de Laurindo, que desaparecera no rio Banabuiú; do jovem Dagmar, que aos 15 anos se mandara sozinho para o Rio de Janeiro onde estudava Medicina; do advogado Laurentino Chaves, que brilhava na política de Mato Grosso.

Numa manhã, tragédia inesperada reuniu a cidade na casa de meu avô, depois que um telegrama que trouxe a notícia da morte súbita de minha tia Neuzelides em Campo Grande, onde se encontrava ao lado de meus avós. A solidariedade da pequena cidade em que abri os olhos para o mundo até hoje está presente em minhas memórias.

Mombaça são as raízes que fremem, quando recordo cada pequeno acontecimento disperso na fumaça das emoções. Muitos anos mais tarde, voltei. A cidade se refizera, tinha ares de modernidade. Mas a pequena cidade dos meus sonhos continua viva no reino da memória onde viceja a realidade de nossa vida.

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*Maria da Glória Sá Rosa. Professora e escritora. Nasceu em Mombaça, Ceará, no dia 4 de novembro de 1927, filha de Tertuliano Vieira e Sá e de Cleonice Chaves e Sá, tendo ido criança para Campo Grande, onde residia desde 1939 e faleceu em 28 de julho de 2016, aos 88 anos de idade. Graduou-se em Línguas Neo-Latinas na Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio). Participou em 1961 da fundação e instalação dos primeiros cursos superiores de Campo Grande, na Faculdade Dom Aquino de Filosofia, Ciências e Letras (FUCMT), embrião da Universidade Católica Dom Bosco (UCDB), onde lecionou durante 17 (dezessete) anos. Ali criou o Teatro Universitário Campo-grandense (TUC) e a revista Estudos Universitários. Foi coordenadora do Curso de Letras no qual promoveu diversos cursos e semanas literárias. Coordenou diversos festivais de teatro e de música em Campo Grande e produziu os programas Intercomunicação na TV Morena e Mensagem ao Mundo Feminino na Rádio Educação Rural. Em 1967 começou a trabalhar na Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), onde chefiou vários de seus organismos culturais, promovendo exposições de artes plásticas, ciclos de conferências, cursos literários e o Projeto Prata da Casa, tendo sido responsável pela edição do disco de mesmo nome. Foi presidente da Fundação de Cultura de Mato Grosso do Sul e do Conselho Estadual de Cultura, onde atuou durante 20 (vinte) anos. Era professora aposentada da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS), membro da Academia Sul-Mato-Grossense de Letras (ASL) e da Associação Brasileira de Críticos de Arte (ABCA). Foi fundadora da Aliança Francesa de Campo Grande e do Cine Clube de Campo Grande. Publicou as obras: Cultura, Literatura e Língua Nacional (1976) em parceria com Albana Xavier Nogueira; Memória da Cultura e da Educação em Mato Grosso do Sul (1990), acompanhada de vídeo; Memória da Arte em Mato Grosso do Sul (1992), em parceria com Idara Duncan e Maria Adélia Menegazzo, acompanhada de vídeo; Deus Quer, o Homem Sonha, a Cidade Nasce (1999); Crônicas de Fim de Século (2001), Contos de Hoje e Sempre: Tecendo Palavras (2002); Artes Plásticas em Mato Grosso do Sul (2005), em parceria com Idara Duncan e Yara Penteado e A Música em Mato Grosso do Sul (2009), em parceria com Idara Duncan. Além de oito livros, publicou centenas de artigos sobre cultura nos jornais locais e fez inúmeras conferências sobre educação e cultura em todo o Estado, prefácios para autores de Mato Grosso do Sul e apresentações de catálogos de arte. Foi Assessora Cultural do Centro de Educação Integrada (CEI) em Campo Grande. Recebeu o título de Doutora Honoris Causa pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS), em 2007 e pela Universidade Católica Dom Bosco (UCDB), em 2012. Foi casada durante 56 anos com o engenheiro agrônomo e pecuarista José Ferreira Rosa, falecido em 4 de junho de 2008, com quem teve quatro filhos: José Carlos, José Boaventura (falecido), Luiz Fernando e Eva Regina e sete netos: André, Amanda, Paloma, Luiz Henrique, Maria Rita, Gabriel e Maria Thereza. A professora Glorinha é considerada ícone da educação e da cultura de Mato Grosso do Sul.


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