HISTÓRIA
Sobrado do Canela Preta em Icó-Ce
O
1º VIGÁRIO DE MARIA PEREIRA
Através
de escritura pública de 24 de janeiro de 1781, Maria Teresa de
Souza, filha de Maria Pereira e viúva de Pedro de Souza Barbalho,
fez doação de “cem braças de terra, no Sítio
Maria Pereira, à margem do Rio Banabuiú, que possuía
por doação que lhe fez o mesmo Pedro de Souza Barbalho,
para patrimônio de uma capela sob a invocação de Nossa
Senhora da Glória, capela que pretende erigir com autorização
do Ordinário e para seu rendimento e para que possa subsistir enquanto
o mundo for mundo, e ainda mais cem palmos no mesmo sítio para
o adro e corredores da mesma capela”. Na mesma escritura, Antônio
de Lemos Almeida e sua mulher Eugênia Gonçalves de Carvalho,
residentes na Fazenda Onça, doaram também ao patrimônio
da capela meia légua de terra no Riacho Aba da Serra e mais trinta
vacas e um touro. Assinaram a mencionada escritura como testemunhas o
sargento-mor Pedro de Abreu Pereira e Jerônimo da Costa Leite, ricos
fazendeiros nos sertões de Mombaça. A licença para
a construção da capela foi concedida pelo bispo de Olinda,
Dom Tomaz da Encarnação da Costa e Lima, por provisão
de 14 de junho de 1782. A capela foi logo construída e, poucos
anos depois, ou seja, em 1786, era curada pelo padre Dionísio Francisco.
Durante
mais de 40 anos, a capela de Nossa Senhora da Glória de Mombaça
pertenceu à freguesia de Santo Antônio de Quixeramobim, sendo
assistida pelos vigários desta freguesia que muitas vezes ali estiveram
realizando batizados, casamentos e outros atos religiosos. Por decreto,
de 6 de setembro de 1832, foi criada a freguesia de Nossa Senhora da Glória,
desmembrado o seu território da antiga freguesia de Santo Antônio
de Quixeramobim. A nova freguesia compreendia os atuais municípios
de Mombaça, Pedra Branca, Senador Pompeu e Piquet Carneiro. Instalada
a freguesia, foi nomeado o 1º vigário em dezembro de 1832,
padre José Galdino Teixeira, sobrinho de João André
Teixeira (1), vulgo Canela Preta, do Icó, que tomou posse no fim
de janeiro de 1833.
Segundo
Leonardo Mota, na Revista do Instituto do Ceará, de 1946, o padre
José Galdino Teixeira, em ofício datado de 9 de maio de
1835, queixava-se ao presidente da Província: “Esta freguesia
posto que tenha sido criada desde o ano de 1832, não tem tido Vigários
que a queiram paroquiar com desvelo e, por esta razão, não
tem nenhum assento ou rol antigo e os primeiros que possa ter serão
os que, este ano, eu fizer”. Continuando, Leonardo Mota complementa
“Mas o pior é que ele próprio nada fez e também
o seu sucessor repetiu o queixume da inexistência de qualquer escrita
paroquial. Esse e outros casos lamentáveis explicam a impossibilidade
de se conseguir muita certidão de quando alguém foi levado
à pia baptismal, caiu em maridança (2), ou viajou deste
para o outro mundo...”.
O
padre José Galdino Teixeira pouco permanecia na paróquia,
viajando constantemente para a cidade de Icó, sua terra natal,
e para outros lugares da Província, descuidando-se inteiramente
dos seus deveres. Jamais iniciou a escrita paroquial. Não deixou
nenhum assento de batizado, casamento e óbito. Nada consta dos
assentamentos da paróquia sobre sua atuação, mesmo
porque pouco se demorava na freguesia dada a circunstância de gostar
muito de viajar. O seu 1º paroquiato transcorreu do fim de janeiro
de 1833 até, presume-se, devido à inexistência de qualquer
escrita, o fim de 1834. Voltou a dirigir a freguesia de Nossa Senhora
da Glória, no período de 1836 a 1838. Na sua nova passagem
pela freguesia nada fez para ser lembrado na memória do povo.
João
Brígido, à p. 276 de Ceará (Homens e Fatos), Edições
Demócrito Rocha, 2001, afirma que o padre José Galdino Teixeira
“acabou valentemente numa emboscada que lhe puseram no dia 30 de
maio de 1844, no lugar Cobra, do distrito de Sant’Ana do
Brejo Grande, onde exercia o sacerdócio”.
Já
Leonardo Mota, à p. 206 da Revista do Instituto do Ceará
(1946), afirma que “O facto é verdadeiro, isto é,
o Pe. José Galdino pereceu assassinado, mas o crime não
foi perpetrado no lugar Cobra, nem a 30 de Maio, e sim no lugar
Poço dos Cavalos e no dia 18 de Maio. Digo assim porque,
em Ofício de 8 de Junho daquele mesmo ano de 1844, o Visitador
Pe. Antônio Pinto de Mendonça comunicava a triste ocorrência
ao Brigadeiro José Maria da Silva Bittencourt, Presidente Comandante
das Armas da Província do Ceará, e era desse Ofício
a inequívoca declaração subsequente: —
A 18 de maio próximo passado, foi assassinado em pleno dia o Vigário
da Freguesia de Sant’Ana do Araripe, Pe. José Galdino Teixeira,
no lugar denominado Poço dos Cavalos, e na ocasião
em que, para fazer um casamento, se dirigia a um lugar distante da Matriz
algumas léguas, segundo fomos informados”.
Quarenta
dias antes de ser abatido o padre José Galdino, isto é,
a 8 de abril de 1844, dirigia ele uma representação ao Presidente
Silva Bittencourt, queixando-se de tudo faltar à sua Igreja, até
mesmo um cálice. Verberava que isso acontecesse quando a Matriz
dispunha de um patrimônio de quinze mil cruzados, e culpava o Administrador,
de quem dizia não se preocupar com as necessidades do templo e
alegar que, só com ordem expressa do Presidente da Província
compraria algum paramento ou alfaia (3).
João
Brígido em Ceará (Homens e Fatos) cita o padre José
Galdino Teixeira como energúmeno (4), matador e destemido. O mesmo
foi processado e pronunciado pelo juiz de paz do distrito de Telha, tenente-coronel
José Cavalcante de Luna e Albuquerque, no dia 20 de setembro de
1833, juntamente com o seu tio João André Teixeira, o “Canela
Preta” e outros, como mandantes e mandatários. Até
então, nunca tinham ousado pronunciar a João André
Teixeira por qualquer dos seus muitos crimes. Ou não se lhe fazia
culpa, ou não havia testemunha que jurasse contra ele. Tanto o
pronunciou, como foi morto. Em 18 de setembro de 1834, o tenente-coronel
José Cavalcante de Luna e Albuquerque era assassinado.
Cita
João Brígido um episódio ocorrido em Sant’Ana
do Brejo Grande que vem corroborar (5) com os adjetivos atribuídos
ao padre José Galdino Teixeira:
Passando
por aquela povoação da encosta do Araripe, notamos que era
rachado o sino da sua capela, e chamava os fiéis à oração
em som horrivelmente fanhoso. Contaram-nos então que aquilo procedia
de uma estúrdia (6) do padre José Galdino. Numa patuscada
(7) em que ele estava, um imprudente ousou dizer que naquele dia só
não beberia o sino, porque tinha a boca para baixo!
O
sino..., disse ele, pois há de beber!
Ao
infeliz se desatou um relho que o prendia a uma espécie de forca
e, trazido para terra, o viraram e encheram de aguardente! Dos muitos
trambolhões que sofreu, ficou rachado pelo resto dos seus dias...
O
padre José Galdino Teixeira além de ter sido o 1º vigário
de Maria Pereira, foi também o 1º vigário de Sant’Ana
do Brejo Grande, ex-Santanópole, hoje Santana do Cariri, onde faleceu.
(Fontes:
Ceará (Homens e Fatos), de João Brígido; Mombaça
- Biografia de um sertão, de Augusto Tavares de Sá e Benevides;
Famílias Cearenses, de Francisco Augusto; Notas para a História
Eclesiástica do Ceará, de Leonardo Mota (Revista do Instituto
do Ceará, 1946); Ungidos do Senhor na Evangelização
do Ceará (1700 a 2004), v. II, de Aureliano Diamantino Silveira)
1.
João André Teixeira - João André
Teixeira Mendes, vulgo Canela Preta, do Icó. Segundo a tradição,
esse apelido Canela Preta, de João André, lhe foi dado porque
usava constantemente umas botas pretas de cano longo. De acordo com João
Brígido, a intriga entre João André e os Cavalcantes,
da vila do Icó, procedeu de um pasquim. Intriga esta que produziu
a bagatela de umas vinte mortes, afora ferimentos, pancadas e processos.
O sargento-mor João André Teixeira Mendes, criador e negociante
de fazendas, homem irascível, violento e loquaz, nasceu a 17 de
março de 1781, na freguesia do Icó-Ce, era filho de Manoel
Alexandre Teixeira Mendes e de Maria Catarina Sebastiana de Arendes. Foi
condenado à pena máxima, a morte, por um de seus crimes,
porém, a condenação foi comutada em 20 anos de degredo
para o rio Negro. Na administração do padre Vicente Pires
da Motta (1854-1855), João André voltou ao Ceará.
Viveu em contínuas querelas até morrer em 1874, cego, aos
93 anos de idade.
2.
Maridança - Substantivo feminino.
1. Maridagem.
3.
Alfaia - Substantivo feminino. 1.
Móvel ou utensílio de uso ou adorno doméstico. 2.
Enfeite, adorno, atavio. 3. Utensílio agrícola. 4. Paramento
de igreja.
4.
Energúmeno - Substantivo masculino.
1. Endemoninhado; fanático; possesso.
5.
Corroborar - Verbo transitivo direto.
1. Dar força a; fortificar, fortalecer, roborar. 2. Confirmar,
comprovar, roborar. Verbo pronominal. 3. Adquirir forças; fortificar-se,
fortalecer-se, roborar-se.
6.
Estúrdia - Substantivo feminino.
1. Estroinice, travessura, extravagância.
7.
Patuscada - Substantivo feminino.
1. Ajuntamento festivo de pessoas para comer e beber; comedela, comedoria,
comezaina. 2. Pândega, folgança, farra.
Música-tema
da página: Odeon, de Ernesto
Júlio Nazareth (1863-1934), pianista e compositor
brasileiro, considerado um dos grandes nomes do "tango brasileiro"
ou, simplesmente, choro.
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