ENFOQUE
O CRIME DE RETENÇÃO DE "CARTÕES DE BENEFÍCIOS"
DE IDOSOS
Raugir Lima Cruz*
Diferentemente
de países orientais, onde idosos são tratados com o devido
respeito e até reverenciados pela sabedoria acumulada com a idade,
no Brasil o idoso é desrespeitado, desprezado, configurando-se
quase num ser invisível. Diante das circunstâncias, necessário
se fez a edição de uma lei específica que protegesse
os direitos dos idosos, tipificasse crimes perpetrados contra os de mais
idade e definisse quem é idoso.
Em que pese o ser humano
ser o centro da Constituição Federal de onde gravitacionam
ao seu derredor todos os direitos e garantias inerentes a figura humana,
repita-se, o legislador viu por bem a necessidade da edição
da Lei nº 10.741/2003 – o chamado Estatuto do Idoso, que logo
em seu artigo 1º estabelece que idoso é a pessoa a partir
dos 60 anos de idade.
Depreende-se do Estatuto
do Idoso a obrigação da família, da comunidade, da
sociedade e do Poder Público assegurar ao idoso, com absoluta prioridade,
a efetivação do direito à vida, à saúde,
à alimentação, à educação, à
cultura, ao esporte, ao lazer, ao trabalho, à cidadania, à
liberdade, à dignidade, ao respeito e à convivência
familiar e comunitária entre outros direitos.
Feita essa preleção,
adentramos agora num fato costumeiro perpetrado pelo sertão afora
e que o Estatuto do Idoso tipifica como crime em seu artigo 104: “reter
o cartão magnético de conta bancária relativa a benefícios,
proventos ou pensão do idoso, bem como qualquer outro documento
com o objetivo de assegurar recebimento ou ressarcimento de dívida:
Pena – detenção de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos
e multa”.
De cara esclarecemos
que somente comete tal crime aquele que é credor do idoso. Mas,
para configuração do crime não se faz necessário
que o indivíduo que retenha o cartão magnético tenha
efetivamente recebido ou se ressarcido da dívida, bastando somente
que tenha retido o cartão com o fito de receber o débito.
Não
fosse a previsão na Lei 10.741/2003, o indivíduo –
geralmente comerciante, que adotasse tal prática, estaria cometendo
delitos previstos no Código Penal como apropriação
indébita (art. 168) ou exercício arbitrário das próprias
razões (art. 345), de forma que, sendo a vítima idoso tais
crimes passam a ser o de “retenção de cartão”
configurado no artigo 104 do Estatuto do idoso, em sentido oposto, a vítima
não sendo idosa os crimes são os acima citados do Código
Penal.
Não é
segredo que o crime aqui tratado virou prática corriqueira entre
comerciantes dos mais variados setores. O que não se sabe se a
proliferação do delito advém do simples desrespeito
ao idoso, descaso em relação à lei, ou a sensação
de impunidade, visto tal crime ser considerado de menor potencial ofensivo,
de competência dos Juizados Especiais Criminais, cabendo até
a suspensão condicional do processo. E a vida segue.
(Publicado
no jornal ,
Ano XXXVIII, nº 146, Outubro/2013).
Untitled Document
*Raugir
Lima Cruz. Oficial de Justiça da Comarca de Quixelô-CE.
É mombacense de Senador Pompeu, Ceará, onde nasceu no
dia 15 de janeiro de 1966, filho de Etevaldo Lima Cruz e de Francisca
Zeneida Lima Cruz. Graduou-se em Pedagogia na Faculdade de Educação,
Ciências e Letras de Iguatu - FECLI. É bacharel em Direito
e pós-graduado em Direito Penal e Criminologia pela Universidade
Regional do Cariri - URCA. Obteve o 2º lugar no Concurso Literário
Rachel de Queiroz, promovido em 2006 pelo Fórum Clóvis
Beviláqua em comemoração aos 30 anos da sua biblioteca,
com a crônica .
A sua crônica foi publicada na coletânea “Sertão:
olhares e vivências” com os dez trabalhos classificados
no referido concurso. No dia 18 de dezembro de 2007 recebeu o título
de cidadão quixeloense concedido pela Câmara Municipal
de Quixelô. É autor dos artigos "Uma análise principiológica e legal das interceptações telefônicas: a produção probatória à luz do princípio da proibição da proteção deficiente", publicado na edição nº 87, ano XIV, abril/2011, da Revista Âmbito Jurídico e “A aplicação da Willful Blindness Doctrine na Lei 9.613/1998: A declaração livre e a vontade consciente do agente”, publicado no volume nº 9, edição 2011, da Themis, revista científica da Escola Superior da Magistratura do Estado do Ceará (ESMEC).
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